“O Mundo dá voltas / Boca fechada não entra mosca”
Amigos e leitores do DLNB, depois da épica final da taça Libertadores da América, tenho muito pano pra fazer manga, gola e a camisa inteira tamanho GG. Seguindo a trilogia da semana passada, vejo nessas duas frases algo muito mais sério a se explorar do que uma simples perda de título. É a resposta da bola a uma postura com a qual eu não concordo, mas que parece se perpetuar no futebol – principalmente o carioca. Me desculpem o tamanho do texto - duas páginas no Word-, mas são duas idéias difíceis de dissociar.
Voltamos 10 anos no tempo. O Fluminense vivia o auge de seu descenso, caindo da 2ª para a 3ª divisão. Os rivais tinham à sua frente um prato cheio para fazer piadas e trocadilhos. O Flu até ganharia, em 99, o direito de voltar à série B caso precisasse – papai Eurico deu, digamos, um pezinho pra pular essa etapa. Levando em conta que o mundo do futebol é redondo como a bola que Roni e Cia maltrataram durante três anos e que havia ultrapassado o limite do ponto mais baixo, era a hora do Flu começar sua subida e chegar ao ápice.
Não só o Fluminense, mas todo o futebol carioca viveu seu pior momento na última década. A queda do Botafogo e a constante luta de Flamengo e Vasco para não repetir o feito dos rivais foi a constante dos últimos anos, até 2005. Os times eram ruins, o campeonato regional não era levado a sério e o futuro que estava a mercê dos pseudo-dirigentes era pra lá de nebuloso. Como tudo que desce pode subir, começamos a mudar a história em 2006.
O ano das viradas começou com o título estadual de um encantador Botafogo, sob a batuta do então razoável técnico Cuca. Flamengo e Vasco, além de terminarem o Brasileirão sem o medo de serem rebaixados, chegaram à final da Copa do Brasil. O Fluminense não fez um grande campeonato nacional, terminando a duas posições de uma nova vergonha. Apesar de tudo, chegou a semifinal da Copa do Brasil, sendo eliminado pelo rival Vasco.
Ano passado, o Rio viveu o seu melhor ano do século, até o presente momento. Voltou a se fazer presente na Libertadores da América com o Flamengo, manteve seus quatro clubes entre os 10 melhores do país e viu o Tricolor das Laranjeiras levantar a taça da Copa do Brasil, com o Botafogo chegando às polêmicas semifinais contra o Figueirense. Com a conquista, o Flu chegou à Libertadores deste ano, ao lado de um Flamengo que saiu da penúltima posição para chegar ao terceiro lugar do Brasileiro, numa reação assombrosa.
Começamos o ano com um campeonato carioca sem grandes surpresas. Os quatro grandes, favorecidos pelo mando de campo em todos os jogos, não viram a sombra os pequenos que figuravam a competição e chegaram, com facilidades, às semifinais de cada turno. Melhor para o rubro-negro, que bateu o Botafogo na final e sagrou-se campeão estadual pela 30ª vez em sua história.
Três dias antes da conquista, no México, o Fla venceu o América por 4 a 2 e a semana terminou como todo flamenguista sonhou: o título e a classificação praticamente assegurada. Era só fazer o simples, o feijão-com-arroz. Era só não abrir a boca. Deu no que deu, entrou mosca.Diante de 50.000 pessoas e um adversário considerado morto, entrou em campo um Flamengo covarde e vulnerável. Uma tragédia que se anunciava em meio à saída de Joel Santana.
Sem o maior rival na competição, o Fluminense tratou de despachar Atlético Nacional e São Paulo, de forma competente e sem grande alarde. Chegou às semifinais, enfrentando o poderoso Boca Juniors. Novamente calado e trabalhando sério, os cariocas atropelaram a turma de Riquelme, garantindo a vaga para a grande final, contra a já conhecida LDU. Aí começou o problema.
Por tudo que havia acontecido na competição, o torcedor tricolor tinha todos os motivos para achar que seria campeão. No entanto, para jogadores e dirigentes – que já haviam enfrentado a LDU antes, com boas atuações e resultados -, o pensamento não poderia ser esse. No entanto, no bojo da eliminação do Flamengo em pleno Maraca e da animosidade em torno do momento histórico vivido pelo clube, Renato Gaúcho e Thiago Neves resolveram abrir a boca.
A essa altura, sendo o único time do Brasil a disputar duas competições simultaneamente, a dupla aproveitou para tripudiar dos adversários com provocações e frases ambíguas. Como se o futuro fosse certo como o passado. Em clima de “já ganhou”, apesar de aparentemente pregarem respeito ao conhecido adversário, embarcaram e voltaram de Quito com um resultado que ainda lhes dava a esperança da conquista. Mesmo com o baque, o escrete tricolor pensava ter o poder de reagir quando bem quisesse, no finzinho, como fez nas últimas partidas contra São Paulo e Boca. Doce ilusão.
No jogo da volta, uma incrível virada parou justamente no “achismo”. A equipe carioca, após o terceiro gol, pensou-se dona do jogo e, como tal, achou que estivesse tudo sob controle. Assim, veio a prorrogação e a disputa de pênaltis. Grandes batedores pararam nas mãos de Cevallos e o Maraca viu 90.000 pessoas chorarem um título “quase” ganho.O Fluminense teve todas as chances de viver, da melhor forma possível, o auge do seu ciclo. Assim como Flamengo, Vasco e Botafogo já o fizeram, os tricolores sentiram na pele que trabalhar de boca fechada é o melhor jeito de abrir caminhos para as grandes glórias.
O torcedor tem o passe para falar, brincar, torcer, secar e comemorar o que bem entender. Quem vive de futebol, no entanto, não. Como também não pode pedir respeito se não o faz merecer. Até me surpreendi, minutos atrás, quando li num site que aqueles dois exigem respeito ao feito tricolor. Me admira vocês, Thiago e Renato, ficarem sentidos pelo que vocês próprios ajudaram a construir.
Não tenho dúvidas de que o futebol carioca ainda vive seu ponto alto, e por isso, as chances estão abertas para quem quiser viver uma boa sequência de trunfos. Só não permitam vocês, jogadores e dirigentes, que as moscas transformem a alegria em tragédia para aqueles que fazem do futebol, a alegria de viver na humildade. O torcedor não merece esse tratamento.